TRUMP CUMPRIU SUA PROMESSA. INFELIZMENTE!

Mark Morais
Donald Trump tomou posse no dia 20 de janeiro de 2025 como o 47º presidente eleito dos Estados Unidos da América. Quase imediatamente, o homem colocou sua novíssima caneta presidencial para funcionar, assinando várias ordens executivas, equivalentes aos decretos presidenciais no Brasil. Uma delas, relativa a uma das suas promessas de campanha, diz respeito a não concessão da cidadania por direito de nascença dos filhos, nascidos nos EUA, de imigrantes ilegais; Trump prometera cassar esse direito já no seu primeiro dia de trabalho. Promessa feita, promessa cumprida. Infelizmente.
Tratei desse assunto nesse artigo: sobre esse tema a minha opinião diverge da do Presidente, ou seja, ele está errado e eu estou certo. Sem me dar ouvidos, Trump limitou o direito à cidadania originária decorrente do jus soli, o “direito do solo”, segundo o qual a cidadania de uma pessoa é determinada pelo seu local de nascimento, nada importando a procedência dos pais. A ordem executiva assinada pelo novo presidente limita esse direito à cidadania por nascimento. Vejamos algumas situações que serão atingidas pela ordem presidencial:
Primeiro exemplo: mulher se encontra nos EUA de maneira ilegal e o seu marido não é cidadão americano ou residente permanente. Esse casal tem uma criança em solo americano, que nasceu depois de 30 dias da publicação do decreto; esse filho não será mais considerado cidadão dos EUA.
Segundo exemplo: mulher se encontra legalmente nos EUA, mas não é residente permanente ou cidadã americana, ou seja, ela é portadora de um visto temporário, como o visto de turista, e tem um filho em território americano (também, depois de 30 dias da publicação do decreto) enquanto aqui se encontra. Caso o marido também não tenha o visto de residência permanente ou não seja cidadão americano, esse filho não terá direito à cidadania americana.
Em minha modesta e sempre correta opinião, essa ordem executiva representa um duro golpe no próprio arcabouço legal do país, na medida em que contraria e abole um entendimento consolidado através da 14ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos, editada há mais de 150 anos, a qual afirma, textualmente, que “todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas à jurisdição dos mesmos são cidadãos dos Estados Unidos”. Para driblar esse texto legal, Trump se utilizou de um argumento bastante controverso, qual seja, que as pessoas dos exemplos acima, quer dizer, estrangeiros presentes no país de maneira ilegal ou temporária não estariam sob a jurisdição dos EUA, como legisla a 14ª Emenda. A ordem executiva equipara esses estrangeiros aos diplomatas a serviço de seus países: caso tenham filhos em território americano, eles não serão considerados cidadãos naturais, pois, ainda que se encontrem dentro dos Estados Unidos, não respondem às leis do país por não estarem sujeitos à jurisdição americana.
A ordem executiva, que não retroage para afetar direitos já adquiridos, entrará em vigor dentro de 30 dias da sua publicação; até lá, crianças nascidas nos EUA nas condições descritas acima ainda terão a sorte de serem cidadãos americanos; após esse prazo, acabou esse privilégio. Entendo que a medida tenha uma ótima intenção, qual seja, combater o chamado “turismo de nascimento”, onde mulheres com visto de turista viajam aos EUA em adiantado estado de gravidez, para terem seus filhos aqui e assim garantirem a cidadania americana para eles; contudo, acredito que a estratégia adotada pelo novo governo seja um perigoso e grave desrespeito à Constituição.
Contudo, o não-direito a uma cidadania por nascimento não é nenhuma novidade. Como eu disse no meu artigo anterior, a grande maioria dos países desenvolvidos mundo afora também não considera cidadãos do país o simples fato de alguém ter nascido por lá. Porém, no caso dos EUA, isso já estava solidificado no ordenamento constitucional americano por mais de 150 anos. Não é que isso não possa ser mudado, foi simplesmente a forma utilizada para legislar que não acho correto…por um decreto!
Mas burlar o processo legislativo americano também não é nenhuma novidade. Da mesma forma que o Trump está tentando “retirar” um direito, até então considerado constitucional, a Suprema Corte dos EUA “criou”, em 1973, no famoso caso Roe v. Wade, um direito constitucional sem a devida obediência ao princípio da tripartição dos poderes, ao interpretar que o direito ao aborto era sim um direito previsto na constituição americana. E foram tirar isso logo de dentro (adivinhem de onde?!!) da mesma 14ª emenda constitucional. Levou quase 50 anos para a mesma Suprema Corte derrubar a decisão em Roe v. Wade, em junho de 2022.
Existem maneiras menos chocantes do Trump procurar atingir o mesmo objetivo. Por exemplo, desde 2020 que existe uma normativa, implementada, inclusive, pelo próprio Trump no seu primeiro mandato, de que os consulados e embaixadas americanas devem recusar ou cancelar vistos temporários (ex: vistos de turista) de mães que estejam grávidas e que possam estar entrando nos EUA para dar à luz com a finalidade de cidadania americana para os filhos. Da mesma forma, o CBP nas fronteiras, como os aeroportos, pode impedir a entrada de uma mãe com visto temporário e que esteja grávida. Ao invés de tentar mexer em um vespeiro que é o direito constitucional à cidadania por nascimento, o Trump pode muito bem exigir que os funcionários públicos federais executem as regras com maior abrangência e passem a negar vistos ou impedir entrada de gestantes com potencial de dar à luz em território americano.
Obviamente, devem chover ações judiciais combatendo a medida e, nesse caso, não se trata apenas daquela manjada tática que vemos no Brasil, de partidos de esquerda que levam ao judiciário todas as ações do executivo das quais não gostam; nesse caso, as ações serão justas. Como afirmei em artigo anterior, discordo da posição de Trump a respeito da cidadania por nascimento, e acho a Constituição dos Estados Unidos bastante clara quanto à proteção e ao acolhimento de tantos quantos nascem em solo americano. Acredito que essa questão deverá chegar à Suprema Corte (equivalente ao STF brasileiro, porém muito mais técnico e sério); então, veremos como os Justices, os ministros da Suprema Corte, interpretarão a 14ª Emenda. Até lá, o governo Trump seguirá negando a cidadania aos bebês, nascidos nos EUA, de pais que não sejam cidadãos americanos ou residentes permanentes.
Me ajuda a te ajudar, Mr. President!
Sobre Mark Morais
Mark Morais é advogado de Imigração e proprietário da Mark Morais Law Firm, escritório americano responsável por processos jurídicos de vistos e green cards para os Estados Unidos.
Mark é o único advogado brasileiro-americano que já trabalhou nas 3 principais agências federais de imigração dos EUA (USCIS, CBP e ICE) desempenhando as funções de Promotor de Imigração, Oficial de Asilo Político e Policial Federal de Imigração e Alfândega.
Mark Morais é formado em Direito e Administração de Empresas no Brasil e é Doutor em Jurisprudência nos Estados Unidos. Ele é licenciado para praticar Direito no Estado da Flórida e também na Capital Federal (District of Columbia).
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