QUANDO O JUÍZO ENTRA DE FÉRIAS

Mark Morais
AS FÉRIAS DE VERÃO SÃO UM DOS MOMENTOS MAIS AGUARDADOS PELOS AMERICANOS. Aqui nos EUA, o ano letivo começa entre agosto e setembro e termina em junho; em seguida começa a “Summer Vacation”, as famosas férias de verão, que duram entre dois e três meses. Toda a programação familiar costuma ser planejada de acordo com esse calendário. Como ninguém é de ferro, muito menos os Justices, ou seja, os ministros da Suprema Corte americana (equivalente ao STF no Brasil), também entram em recesso no final de junho; portanto, toda a comunidade jurídica do país aguarda ansiosamente esse momento, no qual conhecerão as decisões que nortearão a sua prática durante o próximo ano. As decisões mais tranquilas costumam ser emitidas ao longo do ano, enquanto as controversas são deixadas para o último dia. Ou seja, os ministros jogam a bomba no colo da comunidade jurídica e vão para suas casas de praia relaxar.
Duas dessas decisões causaram alvoroço entre nós advogados militantes da área de imigração: Na primeira decisão, os Justices estabeleceram que as decisões administrativas emitidas pelos consulados e embaixadas americanas não são passíveis de revisão pelo poder judiciário (pelo menos na esmagadora maioria dos casos). Ou seja, se os oficiais consulares já se achavam verdadeiros deuses todo-poderosos, agora passaram a ter certeza disso.
Por outro lado, numa jurisprudência que perdurava já há 4 décadas e que ficou conhecida no meio jurídico como Chevron Deference, que envolvia exatamente esta empresa de óleo e gás, a Suprema Corte denegou uma decisão em vigor desde 1984 que obrigava o poder judiciário federal a deferir o parecer das agências administrativas nas questões de interpretação dos estatutos sob sua responsabilidade. Por exemplo, o USCIS é a agência responsável por executar o estatuto do INA (Immigration and Nationality Act); caso suas decisões sejam questionadas judicialmente em razão de alguma passagem obscura ou controversa do INA, a justiça federal daria deferência à interpretação do USCIS sobre algum ponto ambíguo do código de imigração, pois o USCIS é a agência administrativa responsável em executar o INA.
Com a atual revisão da Chevron Deference, o poder judiciário não está mais obrigado a seguir as decisões das agências administrativas, podendo interpretar a questão à sua maneira. Portanto, a partir de agora, como não estão mais vinculados à Chevron Deference, cada Circuito de Apelações dos EUA (similares aos Tribunais Regionais Federais no Brasil) pode interpretar situações similares de maneiras absolutamente divergentes, possibilitando uma situação conhecida nos Estados Unidos como forum shopping, ou seja, “ir às compras por um circuito mais favorável”. Conhecendo os perfis dos juízes dos Circuitos de Apelações, os advogados podem buscar dar entrada em seus processos nos estados sob a jurisdição de Circuitos de Apelações cuja tendência seja de tomar decisões favoráveis em casos semelhantes, aumentando consideravelmente suas chances de sucesso. E isso se reflete até no mercado de coyotes que cobram mais caro para fazer a travessia de imigrantes ilegais na região do Nono Circuito de Apelações, que engloba alguns estados da costa oeste, caso da California, e que são ultraliberais em suas decisões.
Agora eu lhes pergunto: não teria sido a Suprema Corte contraditória em suas duas últimas decisões? Pois, se de um lado, dão poderes quase que absolutos aos consulados e embaixadas (que são agências administrativas); do outro lado, apenas uma semana depois, retiram bastante poderes das demais agências do poder executivo com a anulação da Chevron Deference.
Ao contrário do Brasil, a maior parte dos atuais Justices (ministros) da Suprema Corte Americana são conservadores; na outra ponta, a esmagadora maioria da comunidade jurídica que trabalha com imigração é notoriamente de esquerda. Eu sou o bendito (para alguns, maldito) fruto no meio da imigração. Essa divergência ideológica acabou gerando uma curiosa contradição em relação ao fim da vinculação das decisões judiciais até então imposta pelo caso Chevron: boa parte da militância jurídica da área de imigração foi contrária ao término da vinculação da Chevron. Ou seja, os mesmos advogados que passaram décadas criticando as decisões e os poderes das agências administrativas (USCIS, EOIR, etc.) na interpretação de seus estatutos, taxando tais decisões de arbitrárias e vaidosas, e até vinham a público incentivar entrar com uma avalanche de mandados de segurança (mandamus) e outras medidas contra o poder executivo, agora protestam pelo fato das mesmas agências estarem sujeitas a ter suas interpretações revisadas pelo poder judiciário nos Circuitos de Apelações.
Ah, nada como o tempo para desmascarar alguns personagens…
Sobre Mark Morais
Mark Morais é advogado de Imigração e proprietário da Mark Morais Law Firm, escritório americano responsável por processos jurídicos de vistos e green cards para os Estados Unidos.
Mark é o único advogado brasileiro-americano que já trabalhou nas 3 principais agências federais de imigração dos EUA (USCIS, CBP e ICE) desempenhando as funções de Promotor de Imigração, Oficial de Asilo Político e Policial Federal de Imigração e Alfândega.
Mark Morais é formado em Direito e Administração de Empresas no Brasil e é Doutor em Jurisprudência nos Estados Unidos. Ele é licenciado para praticar Direito no Estado da Flórida e também na Capital Federal (District of Columbia).
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