Trazida pelo Vento
Mark Morais
A PASSAGEM DO FURAÇÃO IAN causou destruição e mortes na Flórida; cerca de 24 pessoas perderam a vida na tragédia. Felizmente, o Ian já se deslocou para a Carolina do Sul e perdeu força, transformando-se em uma tempestade tropical.
Apesar do perigo, tenho boas lembranças das temporadas de furacões. Afinal, foi numa dessas que minha amada esposa Flávia veio até mim. Contei essa história no meu livro, Immigrando com Mark Morais, que será lançado no dia 20 de outubro de 2022 na 1ª Conferência Brasileira de Negócios em Margate, Flórida. Abaixo, transcrevo o referido capítulo:
“DECISÃO TOMADA, SORTE LANÇADA. Eu iria na frente como um desbravador, um bandeirante, um pioneiro abrindo caminho em um mundo novo, cheio de perigos e incertezas, mas repleto de perspectivas. E de esperança.Inicialmente, o plano era me estabelecer em São Francisco, Califórnia: Luiz, um primo de mamãe, morava lá, e eu poderia morar com ele até arrumar um emprego e poder ajudar a pagar o aluguel.
Porém, tia Laura (a torturadora alimentar) e tio Marcelo tinham um apartamento em Aventura, cidade vizinha de Miami, onde passavam suas temporadas de férias, e me ofereceram o apartamento para morar durante o tempo que fosse necessário. Assim, moradia seria um problema a menos com que me preocupar: agora faltavam apenas o emprego e o carro. Meros detalhes…Do valor recebido na ação contra o banco, comprei a passagem e me restaram cerca de dois mil dólares; valor não muito significativo para manter uma pessoa nos Estados Unidos. Eu precisaria encontrar um trabalho imediatamente.
Cheguei a Aventura (o nome da cidade não era perfeitamente apropriado?) em abril de 2005 e fui recebido por Júlio, um amigo de papai que morava em Miami; Júlio me acolheu em sua casa na primeira semana, deu-me todo o suporte naquele início e viria a se tornar um grande amigo para mim também. Logo arrumei um emprego de manobrista de carros no condomínio Solimar, um condomínio de luxo na cidade de Surfside, no Condado de Miami (o condomínio ficava a algumas quadras do edifício Champlain Towers South, que desmoronou parcialmente na madrugada do dia 24 de junho de 2021, matando e ferindo vários moradores, no único caso até então na história do país de desabamento que não tenha sido causado por desastres naturais); porém, meu deslocamento ficava bastante prejudicado, pois eu ainda não tinha condições de comprar um carro e o transporte público em Miami e muitas cidades da Flórida, ao contrário de metrópoles como Nova Iorque e Chicago, que dispõem de eficientes malhas de trem e metrô, é bastante deficitário, e os poucos ônibus disponíveis circulam em horários bastante espaçados. Perder o ônibus em Miami significa esperar longos períodos no ponto até a chegada do próximo transporte. Passei algum tempo nesta rotina, mas não conseguia economizar dinheiro suficiente para comprar o necessário carro; então, recorri à Flávia, que, no Brasil, aguardava -como eu- ansiosamente o momento em que estaríamos juntos novamente. Ela tinha algum dinheiro guardado, cerca de mil e quinhentos dólares, que enviou para mim. Comprei um Chrysler velho e imediatamente iniciei uma jornada dupla de trabalho; durante o dia, continuava no condomínio manobrando carros, e passei a trabalhar como entregador de pizza na rede Papa John’s à noite.
Se, quando eu vim aos Estados Unidos pela primeira vez naquele intercâmbio cultural, tive contato com a neve pela primeira vez, agora era a hora de me deparar com outro fenômeno natural desconhecido pelos brasileiros, mas bastante comum no Hemisfério Norte: os furacões. Sim, o primeiro furacão a gente nunca esquece! Poucos meses depois que eu estava em Miami, mais precisamente em agosto, a região Sul dos Estados Unidos foi fustigada pelo furacão Katrina que, depois de causar um grande estrago na Flórida, onde passou como uma tempestade de categoria 2, ganhou intensidade e atingiu -e devastou- a cidade de Nova Orleans. O Katrina causou um prejuízo de mais de dois bilhões de dólares e ceifou a vida de 1.836 pessoas. Ao contrário dos tornados, que se formam repentinamente, não permitindo ações preventivas, furacões são passíveis de monitoramento, e os EUA os acompanham com muita atenção através do National Hurricane Center (NHC), o Centro Nacional de Furacões. Portanto, quando o Katrina chegou à costa americana, vindo da região das Bahamas, as autoridades já haviam alertado a população para se preparar cerca de uma semana antes. Talvez você já tenha assistido a algum filme-catástrofe como Contágio (2011), O Impossível (2012) ou Guerra Mundial Z (2013), e tenha achado exageradas as cenas em que os americanos em pânico invadem supermercados para estocar tudo o que lhes viesse à mão. Pois bem, as cenas não são tão exageradas assim. Tudo bem, ninguém sai atirando nos outros dentro das drugstores e lojas de conveniência, mas os americanos, ao receberem alertas de furacão pela tevê, rádio ou celulares, efetivamente cobrem vitrines e janelas com tapumes e correm aos supermercados, formando longas filas em busca de água, comida, pilhas, lanternas, papel higiênico e tudo o mais que alguém pode imaginar necessário para sobreviver a um inverno nuclear ou ao apocalipse bíblico. Quando o furacão efetivamente atinge uma cidade, todos estão preparados e devidamente escondidos em suas casas e as ruas ficam desertas. Previamente alertado por Júlio sobre as precauções devidas, eu também havia me preparado para o Katrina; sozinho no apartamento, esperava a chegada da besta tropical. Sim, eu estava pronto; mas quem não se preparou devidamente foram os trabalhadores que faziam reparos no prédio onde eu morava: algum gênio se esqueceu de baixar o andaime utilizado para consertos na fachada, e, para a minha “sorte”, o andaime estava estacionado justamente no meu andar. Quando o Katrina atingiu a cidade com ventos de 130 quilômetros por hora, o andaime começou a sacudir como um cavalo em um rodeio, e um dos cabos eletrificados que o sustentava se rompeu, passando a chicotear a sacada do meu apartamento, lançando uma serpente de faíscas flamejantes no ar a cada vez que atingia o parapeito. Apreensivo, eu observava pela janela e via, além de palmeiras e toda espécie de objetos não identificados voando pelos ares, o andaime sacolejante, imaginando o momento que ele atingisse as janelas e quebrasse os vidros, fazendo com que os impetuosos ventos invadissem o apartamento e varressem e estilhaçassem tudo que encontrassem pela frente. Se isso chegasse a acontecer, eu correria ao banheiro, me jogaria dentro da banheira de hidromassagem e me cobriria com o colchão. Alguns moradores do prédio, inclusive, tiveram suas janelas destruídas e foram obrigados a evacuar os apartamentos, indo se abrigar no saguão do condomínio. Felizmente, o andaime não acertou nenhuma janela e, depois de algumas horas angustiantes, o Katrina partiu, movendo seu legado de destruição rumo a Nova Orleans. Porém, como dizem que “desgraça pouca é bobagem”, poucos meses depois, em outubro, fomos atingidos pelo furacão Wilma, ainda mais forte e devastador!
Depois do furacão, a cidade fica parecendo um palco de guerra, com árvores arrancadas, postes, placas e outdoors derrubados, janelas e vitrines quebradas, muito lixo e detritos espalhados pelas ruas e problemas de desabastecimento, tanto de gêneros alimentícios como de eletricidade e combustível. Meses após a passagem do Katrina e do Wilma, nossa região ainda sofria com a falta de eletricidade, e havia filas enormes nos postos de gasolina e supermercados.
Mas, se os ventos dos furacões arrasaram a cidade, bons ventos sopraram do Brasil, trazendo minha amada Flávia direto para os meus braços; foi em meio a um cenário de catástrofe e destruição que finalmente, em novembro daquele mesmo ano, 2005, ela veio se juntar a mim; nos casamos naquele mesmo mês, e eu, como cidadão americano, imediatamente requeri o seu green card, que ela recebeu poucos meses depois.”
Mark Morais
Mark Morais é advogado de Imigração e proprietário da Mark Morais Law Firm, escritório americano responsável por processos jurídicos de vistos e green cards para os Estados Unidos.
Mark é o único advogado brasileiro-americano que já trabalhou nas 3 principais agências federais de imigração dos EUA (USCIS, CBP e ICE) desempenhando as funções de Promotor de Imigração, Oficial de Asilo Político e Policial Federal de Imigração e Alfândega.
Mark Morais é formado em Direito e Administração de Empresas no Brasil e é Doutor em Jurisprudência nos Estados Unidos. Ele é licenciado para praticar Direito no Estado da Flórida e também na Capital Federal (District of Columbia).