A situação está feia, mas poderia estar pior…

Mark Morais
ATÉ AQUI, TUDO BEM. As autoridades americanas estavam muito preocupadas com o fim do Título 42, o que poderia gerar uma tentativa em massa de entrada de imigrantes ilegais no país através da fronteira do México e criar uma verdadeira crise humanitária; tropas federais foram deslocadas para a fronteira, estados como a Flórida endureceram leis para contrapor a facilidade proporcionada pelo fim da medida, e a situação está sendo monitorada de perto. Bem de perto. Afinal, não era para menos: a notícia do fim do Título 42 se espalhou como fogo em rastilho de pólvora entre os países latino-americanos e, nos dias antes do seu término, filas imensas se formaram nos postos de controle e acampamentos improvisados surgiram da noite para o dia nas cidades fronteiriças.
Mas, contrariando as expectativas, as autoridades dos EUA registraram uma impressionante –e bem-vinda- queda de 50% no número de interceptações de imigrantes ilegais ao longo da fronteira nos dois dias que antecederam a data do fim do Título 42 em relação com o início da semana. Acredita-se que as reiteradas advertências publicadas pela administração Biden, além das ostensivas demonstrações de rigorosa fiscalização da imigração tenham intimidado imigrantes mais afoitos de tentar cruzar a fronteira ilegalmente. O Secretário-Adjunto de Segurança Interna Para Fronteiras e Política de Imigração, Blas Nuñez-Neto, afirmou que é cedo para tirar conclusões, mas espera que tais medidas sejam realmente eficazes para inibir a entrada ilegal de imigrantes no país.
Em um dia comum de trabalho as patrulhas da fronteira costumavam fazer cerca de 10.000 interceptações de imigrantes ilegais; na sexta-feira, foram 6.300, e no sábado, 4.200 (os dois últimos dias antes do fim do Título 42).
As autoridades alertam que é muito cedo para dizer se o aumento de imigrantes na fronteira atingiu o pico.
Em Tijuana, norte do México, o diretor de assuntos imigratórios, Enrique Lucero, atribui a queda nas travessias ilegais às mensagens do governo Biden e ao deslocamento da guarda nacional mexicana para a fronteira. As imagens massivamente divulgadas de aviões cheios de pessoas deportadas retornando a seus países de origem, além da punição de proibição de entrada nos EUA por cinco anos, deixou os candidatos à imigração ilegal bastante assustados.
As notícias do endurecimento das autoridades imigratórias e as sérias consequências de ser pego tentando imigrar clandestinamente percorreram as cidades fronteiriças com a mesma velocidade que a informação sobre o fim do Título 42, e agora todos já descobriram que, ao contrário do que haviam imaginado, não há um tapete vermelho estendido para imigrantes ilegais. As fronteiras não estão abertas. Os EUA não são a acolhedora e bagunçada casa da Mãe Joana.
Os responsáveis pelos abrigos nas cidades do México que acolhem estrangeiros em busca de imigrar para os EUA os aconselham a utilizar o aplicativo do governo americano, o CPB One, para marcar entrevistas para tentar entrar legalmente no país. “O CBP One é o único caminho regular, organizado e seguro para se obter asilo nos Estados Unidos”, afirmou Enrique Lucero. Obviamente, conseguir agendar uma consulta não é tarefa simples: somente em Tijuana existem 6.000 migrantes aguardando por uma entrevista. Atualmente, existem apenas 240 agendamentos disponíveis; o CBP libera apenas um agendamento por dia.
O aumento na entrada de imigrantes ilegais no país desde o início da administração Biden tem gerado enormes dificuldades em vários estados, e não poucos conflitos entre as autoridades destes estados. Prefeitos de várias cidades estão recorrendo ao governo federal em busca de dinheiro para suportar o fluxo de imigrantes, alegando que tal movimento sobrecarregará os cofres de suas prefeituras. Eric Adams, prefeito de Nova Iorque, cidade que já abriga cerca de 35.000 imigrantes, implora pela assistência federal ou estadual, ou a cidade será incapaz de “continuar tratando os recém-chegados e os que já estão aqui com a dignidade e o cuidado que merecem”, afirmou o preocupado prefeito.
Enquanto estados e cidades governados pelos democratas (o partido da esquerda americana) preocupam-se em arrumar dinheiro para cuidar dos imigrantes ilegais, os republicanos tentam impedir sua entrada. A queda de braço com o governo federal chegou até os tribunais: o Departamento de Segurança Interna tinha um plano para permitir a libertação de imigrantes da custódia do CBP sem datas de julgamento ou, em alguns casos, liberá-los com condições; entretanto, a Flórida entrou com um processo para suspender esta medida, e um juiz distrital ordenou a suspensão deste plano por duas semanas. O Departamento de Justiça recorreu, mas a justiça federal da Flórida manteve a decisão.
A questão imigratória continuará a ser um dos muitos pontos de discórdia entre liberais e conservadores nos EUA; enquanto não se chega a um consenso, milhares aguardam na fronteira mexicana, esperando ansiosos uma oportunidade de entrar nos Estados Unidos para viver o sonho americano. Esperava-se uma verdadeira invasão após o fim do Título 42. Mas, pelo menos até agora, não foi isso que aconteceu.
Sobre Mark Morais
Mark Morais é advogado de Imigração e proprietário da Mark Morais Law Firm, escritório americano responsável por processos jurídicos de vistos e green cards para os Estados Unidos.
Mark é o único advogado brasileiro-americano que já trabalhou nas 3 principais agências federais de imigração dos EUA (USCIS, CBP e ICE) desempenhando as funções de Promotor de Imigração, Oficial de Asilo Político e Policial Federal de Imigração e Alfândega.
Mark Morais é formado em Direito e Administração de Empresas no Brasil e é Doutor em Jurisprudência nos Estados Unidos. Ele é licenciado para praticar Direito no Estado da Flórida e também na Capital Federal (District of Columbia).