Mark Morais
NADA COMO UM DIA APÓS O OUTRO, COM UMA ELEIÇÃO NO MEIO
GEORGE ORWELL, ESCRITOR, JORNALISTA E ENSAÍSTA INGLÊS, sempre foi um crítico dos regimes totalitários, os quais denunciou em seus livros, especialmente no satírico A Revolução dos Bichos (Animal Farm) e em 1984, romance distópico no qual formaram-se superestados que dominaram o mundo e vivem em estado de guerra permanente. O líder de um destes superestados, o Grande Irmão (que inspirou essa porcaria de reality show chamada Big Brother), domina todos os aspectos da vida de seus cidadãos, através de um sistema de vigilância constante e de técnicas de deturpação da realidade, sem abrir mão, é claro, da velha e eficiente truculência das forças policiais. Dentre as técnicas de dominação das mentes se destacam a Novilíngua e o duplipensar, distorções da linguagem e do pensamento que visam subjugar os indivíduos, fazendo-os acreditar, aceitar e defender toda e qualquer ordem ou ação do governo, mesmo que ela seja radicalmente contrária a tudo que esse mesmo governo defendia e praticava no dia anterior, ou venha a ser revogada no dia seguinte pelo mesmo governo. Ou seja, a Novilíngua e o duplipensar transformam as pessoas em uma espécie de zumbis, obedientes e sem senso crítico.
Em 2020, o republicano Donald Trump era o presidente dos Estados Unidos (e, segundo as pesquisas, voltará a ocupar a cadeira em 2024). Naquela época, o USCIS, agência governamental de imigração, propôs algumas mudanças em suas políticas; dentre elas, aumento nas taxas regulares e na taxa premium (espécie de pagamento para tramitação prioritária de processos de imigração), além do aumento no prazo do processamento premium, que passaria de 15 dias corridos para 15 dias úteis, ou seja, descontando-se os finais de semana e feriados. A esquerda americana (leia-se Partido Democrata), então na oposição, fez um verdadeiro circo, com a velha histeria de sempre, acusando o governo de xenofobia, de perseguição, aquela conversa fiada habitual; palhaçada que foi acompanhada de uma enxurrada de ações judiciais, até que uma delas caiu nas mãos de um juiz liberal que ordenou a suspensão do aumento. Diante de oposição tão raivosa e beligerante, a administração Trump decidiu não comprar a briga e não moveu adiante o projeto de aumento, tampouco de alteração do modelo de processamento premium. Apesar da necessidade real do USCIS, ficou “tudo como dantes no quartel de Abrantes”, diria meu Véi de Guerra, meu velho Vô Siqueira.
Agora, observe: o USCIS é uma fee-based agency, ou seja, uma agência que se sustenta unicamente com o dinheiro que arrecada com suas próprias taxas, tarifas e emolumentos; significa que o governo federal não disponibiliza nem um mísero dólar para subsidiar o USCIS, que “sobrevive” às próprias custas, pagando por si mesmo, através do orçamento que produz com a cobrança de valores pelos seus serviços, os aluguéis dos imóveis onde trabalha, contas de água, luz, telefone, salários de funcionários, enfim, toda a estrutura de que dispõe. Em 2020, essa agência de imigração já apresentava dificuldades de operação em razão do orçamento apertado; afinal, havia bem menos dinheiro entrando com petições por conta da pandemia; mas a esquerda histriônica não queria nem saber; afinal, pimenta nos olhos dos outros e aperto financeiro no governo republicano é refresco. Ironicamente, o último aumento que a agência havia conseguido aprovar fora em 2016, durante o governo de Barack Obama. Sim, o democrata Obama. Sem, é claro, que os democratas, agora tão barulhentos, dessem um pio.
Voltando a 2024: a Administração do democrata Joe Biden vai aumentar as taxas do USCIS (Let’s Go Brandon!). Melhor dizendo: Biden vai aumentar muito as taxas do USCIS. Sob o silêncio ensurdecedor do seu partido e da classe imigratória, outrora barulhenta, dos EUA. E isso surpreende um total de zero pessoas: afinal, quem trabalha com imigração sabe que a esmagadora maioria dos profissionais que atuam na área é liberal, ou seja, democrata, ou seja, de esquerda. O aumento que, sob Obama, foi bom, seria péssimo sob Trump, mas voltou a ser bom sob Joe Biden. É um exemplo claro do Duplipensar Orwelliano aplicado na prática!
Para se ter uma ideia da profunda facada que Joe Biden vai enfiar impiedosamente nas costas do imigrante legal e das empresas americanas dispostas a patrocinar a vinda de um trabalhador imigrante, a partir de Primeiro de Abril (infelizmente, não é apenas mais uma mentira dos democratas), todos terão que pagar, além da taxa tradicional dos seus pedidos já com o novo aumento, uma tal de Asylum Program Fee, ou seja, a Taxa do Programa de Asilo, que varia de 300 (para os empregadores com menos de 25 funcionários, e aqui incluem-se os self-petitioners de EB2-NIW e EB1-A) a 600 dólares para empresas com mais de 25 empregados.
O Asylum Program que já estava sobrecarregado com milhões de ilegais nos EUA, sofreu um golpe de misericórdia durante os três primeiros anos do (des)governo de Joe Biden, que deixou entrar aproximadamente 10 milhões de ilegais no país, e agora respira com ajuda de aparelhos (não o Joe Biden -bom, pelo menos não ainda, mas o Programa de Asilo). Essa situação é sufocante para os cofres públicos, que necessitam de um aparato bilionário para custear o processamento de pedidos de asilo, que englobam, dentre outros, oficiais de deportação, juízes de imigração, oficiais de asilo político e refugiados, promotores federais de imigração e policiais de imigração e alfândega. Eu trabalhei nas três últimas funções listadas anteriormente, vendo de perto como o jogo é jogado. E posso dizer com segurança que não deve existir nenhum outro programa do governo americano que seja mais fraudado do que o Programa de Asilo. Pois a esmagadora maioria que entra pelas portas dos fundos (sem trocadilhos, por favor), além de não se qualificar para nenhum benefício imigratório, também não se qualifica como refugiado sob a lei específica de asilo. São todos, ou quase todos, imigrantes econômicos, buscando uma vida melhor, com melhores oportunidades de emprego e renda. Não tem nada de errado em querer melhores oportunidades em um país próspero como os EUA, mas a lei de asilo não abarca essas situações.
Mas os imigrantes dão entrada em pedidos de asilo mesmo assim, pois seus casos levarão vários anos até ser julgados; e, 150 dias após darem entrada no pedido, podem protocolar um pedido de autorização de trabalho, recebem o social security number (similar a um CPF no Brasil), podendo obter carteira de motorista e ter uma potencial deportação dos EUA barrada até o seu caso ser julgado por um juiz de imigração ou oficial de asilo. E, pasmem, todo esse processamento é feito de maneira gratuita. Quer dizer: gratuita para eles, os imigrantes ilegais; pois, como já dizia Milton Friedman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, “não existe almoço grátis”, e essa conta vai ser espetada no lombo dos imigrantes legais; aqueles que já pagam pelos seus requerimentos e pedidos!
Bizarro, não é mesmo?! Mas, calma; a situação fica ainda pior. Digamos que uma pessoa se encontre legalmente em solo americano e descobre ser um candidato a um pedido de green card por meio do visto EB-1 (conhecido como visto Einstein, requerido através do formulário I-140; neste caso a taxa subiu pouco, de 700 para 715 dólares). Neste momento o candidato verifica que o boletim de vistos está corrente, ou seja, existem vistos disponíveis para aquele mês (lembrando que os vistos EB-1, além de outros, são emitidos em quantidades determinadas); neste momento, além do formulário I-140, nosso herói poderá solicitar o ajustamento de status (formulário I-485) para residente permanente e, consequentemente, receber seu green card caso o pedido seja aprovado sem precisar sair dos Estados Unidos. Como o pedido de ajustamento de status é um processo demorado, o candidato pode entrar numa espécie de limbo, no qual sua situação jurídica é indefinida; sua presença no país não é nem ilegal ou legal. Mesmo assim (ou por causa disso), esta pessoa pode solicitar uma autorização de trabalho temporário (formulário I-765) conjuntamente com o advance parole, ou permissão para viagens temporárias (formulário I-131); ambos são benefícios intermediários, concedidos pelo governo americano enquanto o candidato aguarda a conclusão de seu processo principal, de ajustamento de status. Quando ambas as solicitações: autorização de trabalho e de viagem são aprovadas, estamos diante do famoso combo card: uma desejável combinação de benefícios em um único documento. De posse da autorização de trabalho temporário o estrangeiro já pode usufruir de alguns direitos e ingressar no mercado de trabalho americano, o que significa ganhar dinheiro. A taxa para o formulário de ajustamento de status era de $1.225,00 por adulto da família (considerando-se os filhos maiores de 14 anos e os adultos até 79 anos de idade), mas, até então, era possível incluir os demais pedidos, de autorização de trabalho e advance parole, sem incorrer em custos adicionais. Agora, além do aumento da taxa do ajustamento de status (I-485), que saltou para $1.440,00, será preciso pagar uma nova taxa para cada um dos pedidos adicionais: 260 dólares para o I-765 (autorização de trabalho temporário) e 630 dólares para o I-131 (advance parole: autorização de viagem).
Trocando em números: antes, pagava-se $1.225,00 por um processo conforme descrito acima, ou seja, pedido de ajustamento de status combinado com autorizações temporárias de trabalho e de viagem. Agora, será preciso desembolsar: $1.440,00 pelo ajustamento de status, mais $260 pela autorização de trabalho, mais a bagatela de $630 pela autorização de viagem, totalizando nada módicos $2.330,00, ou seja, praticamente o dobro do preço. Por cabeça! Imagine uma família normal, composta por quatro pessoas: os pais e dois filhos, adolescentes, maiores de 14 anos; converta os valores para a moeda brasileira e veja como estes aumentos causam um impacto enorme no orçamento familiar (um montante de quase 50 mil reais!), certamente inviabilizando, para muitos, o sonho da imigração legal para os EUA.
Ah! Não podemos esquecer que, além de ter que pagar essa pequena fortuna acima para apenas uma pessoa, agora também será preciso fazer uma pequena contribuição forçada de 300 dólares (quem lembra das contribuições sindicais no contracheque?) para custear os pobres coitados que dão entrada em pedidos de asilo fake. Na verdade, muitas vezes são só coitados, e não pobres; pois qual é o pobre capaz de pagar uma média de 20 a 30 mil dólares para fazer a travessia do México para os EUA?
Tudo isso, reitero, sob o silêncio cúmplice e a imobilidade total da esquerda americana e das associações de advogados; os mesmos atores (com duplo sentido) que, sob a administração Trump, causaram um estardalhaço midiático e jurídico, impedindo que o governo aumentasse as taxas naquela época. Agora, diante de aumentos exagerados e absurdos impostos por Joe Biden, como a imposição do pagamento da Asylum Program Fee, a Taxa do Programa de Asilo, para bancar os processos de imigrantes ilegais, nenhum pio.
A cara de pau dos democratas americanos em mudar de opinião sobre o aumento das taxas do USCIS de acordo com a conveniência do partido parece mostrar que o duplipensar de George Orwell não era uma engenhosa invenção literária, mas sim uma profecia…
Sobre Mark Morais
Mark Morais é advogado de Imigração e proprietário da Mark Morais Law Firm, escritório americano responsável por processos jurídicos de vistos e green cards para os Estados Unidos.
Mark é o único advogado brasileiro-americano que já trabalhou nas 3 principais agências federais de imigração dos EUA (USCIS, CBP e ICE) desempenhando as funções de Promotor de Imigração, Oficial de Asilo Político e Policial Federal de Imigração e Alfândega.
Mark Morais é formado em Direito e Administração de Empresas no Brasil e é Doutor em Jurisprudência nos Estados Unidos. Ele é licenciado para praticar Direito no Estado da Flórida e também na Capital Federal (District of Columbia).
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