O preço do sonho

Mark Morais
IMIGRAR LEGALMENTE PARA OS ESTADOS UNIDOS VAI FICAR MAIS CARO. Infelizmente, bem mais caro. No dia 4 de janeiro deste ano, o Department of Homeland Security (DHS), através de uma das suas agências que regulamentam a imigração no país, a United States Citizenship and Immigration Services (USCIS), publicou uma proposta de reajuste de algumas taxas de requerimentos de benefícios de imigração e naturalização. Segundo o USCIS, os custos dos processos aumentaram substancialmente em razão da maior demanda por estes serviços e o consequente aumento no tempo de processamento e necessidade de mais funcionários, além da expansão de seus programas humanitários. Segundo o DHS, caso as taxas não sejam ajustadas, não haverá recursos para fornecer um serviço adequado aos requerentes, nem manter o ritmo de análise dos mesmos. A proposta está disponível para análises, sugestões e críticas da sociedade até o dia 06 de março de 2023; serão realizadas audiências públicas virtuais para debater o tema. O DHS estima que o USCIS opera com um déficit milionário. O USCIS é financiado por estas taxas que os postulantes a algum beneficio imigratório tem que pagar, a agência não recebe recursos do governo para se sustentar, tem que se virar com o que arrecada com a taxas .
Entre as mudanças propostas estão: incorporar os custos de serviços de biometria aos processos de benefícios, exigir taxas de arquivamento separadas para diversos tipos de formulários, criar taxas para formulários que eram gratuitos e criar novas isenções de taxas para certos programas humanitários, além de preservar os requisitos de isenção existentes atualmente, além de otras cositas más.
Acredito que toda esta proposta gire em torno de uma singela razão: custear os processos de asilo político, que são o que de fato onera a Imigração. Conforme dissemos acima, o orçamento do USCIS decorre exclusivamente das taxas cobradas para processar os diversos tipos de pedidos; não há fundos do governo destinados para isto. Nos casos de processos de asilo político, além da maioria ser isenta de taxas, existe toda uma cadeia de custos extras, tais como intérpretes; e, com a política de “fronteiras abertas” do atual governo, milhões de pessoas estão entrando no país e solicitando asilo, mesmo quando tecnicamente não haveria motivos para isto. Ora, a Lei de Asilo é bastante clara: o indivíduo precisa ter sofrido (ou ter medo futuro bem fundado de sofrer) danos físicos ou psicológicos em seu país de origem a fim de se qualificar como “perseguido”; isto, dentro de cinco critérios estabelecidos: raça, religião, nacionalidade, opinião política ou ser membro de grupo social previamente definido, como, por exemplo, minorias sexuais. Atualmente, vemos que os processos de asilo viraram uma verdadeira farra, um “samba do crioulo doido”: qualquer um pode requerer asilo, e o governo, por uma questão ideológica, está concedendo de olhos fechados. Os oficiais de imigração são praticamente obrigados a aprovar quase todos os pedidos de asilo, mesmo não havendo fundamentação legal para isso. Ora, não é preciso ser um Prêmio Nobel em economia para concluir que, aumentando-se largamente a quantidade de processos gratuitos de asilo, aumentam-se os gastos na mesma proporção; e, como até Mr. Joe Biden sabe, um dos corolários da economia é que não existe almoço grátis e, portanto, alguém tem que pagar esse pato. Ou essa conta. E ela sobra para os imigrantes legais, que muitas vezes fazem grandes sacrifícios para cumprir à risca todas as exigências, esperar todos os prazos e pagar todas as taxas. Se você der uma olhada na tabela de novos preços, verá que os processos de vistos de família (family-based) e naturalização, entre outros, sofreram os maiores aumentos e levarão esta pesada carga sobre os ombros.
Não é que eu seja contra os programas humanitários de asilo; pelo contrário! Já trabalhei como Oficial de Asilo Político e Refugiados pelo o USCIS em Miami e como Promotor de Imigração do ICE no Texas e sei que alguns destes casos são, efetivamente, questão de vida e morte para quem busca o asilo; contudo, na imensa maioria vezes os candidatos apenas querem deixar seus países em busca de melhores oportunidades; e estes casos, que deveriam seguir os trâmites comuns, pagando, inclusive, as taxas correspondentes, são deferidos em razão apenas de ideologia barata; vi supervisores ordenando Oficiais a realizar reiteradas entrevistas com os mesmos candidatos, três ou quatro vezes, até que eles finalmente se cansassem e concedessem o asilo, mesmo que aquela decisão estivesse obviamente contrária à lei, não sendo baseada nos elementos necessários para deferir o benefício. Confrontei meus supervisores várias vezes, negando-me a aprovar casos que não se enquadrassem nas hipóteses legais (eu conto isso no meu livro: Immigrando com Mark Morais – As histórias quase secretas do único advogado brasileiro americano que trabalhou nas três maiores agencias de imigração dos Estados Unidos). A pressão era tão grande que os oficiais tinham menos trabalho para conceder de imediato o asilo do que para negar o pedido de quem fosse e encaminhar o caso à Corte; quando se recusam, acabam sendo “perseguidos politicamente”. Por falar em perseguição política, está tudo bem por aí no Brasil?! Um amigo pediu para eu perguntar…
Bom, voltando ao tema do artigo, agora o candidato à imigração legal terá que pagar muito mais caro por seus requerimentos, a fim de custear uma conta que não é dela(a) com estes incontáveis processos de asilo indevidamente concedidos. O aumento nos valores das taxas varia, desde razoáveis 5%, passando por 19%, 20%, 46%, até aviltantes 201% (como na petição para o visto L, de Trabalhador Não-Imigrante, usado para transferência de executivos ou profissionais qualificados; esta petição salta de 460 para estratosféricos 1.385 dólares!). O visto O, de habilidades extraordinárias, teve o extraordinário aumento de 129%, saindo de 460 dólares para 1.055 dólares.
Para se ter uma ideia de como isto vai impactar os candidatos a vistos de imigração, vejamos, por exemplo, as aplicações de ajustamento de status, quando o requerente se encontra em território americano e aguarda o green card (formulário I-485), combinado com o pedido de autorização temporária de trabalho e viagem (o famoso combo card), sofrerão um aumento de 130%. Hoje, incluindo a biometria, o custo deste processo é de 1.225 dólares por pessoa da família; este custo subirá para 2.190 dólares por cabeça, ou seja, uma família de 4 pessoas (pai, mãe e dois filhos solteiros maiores de 14 anos, por exemplo; uma situação bastante comum) terá que desembolsar quase 9 mil dólares para tentar regularizar sua situação junto à Imigração, além das taxas de preenchimento de outros formulários, como o I-130, e sem mencionar os honorários advocatícios! Tudo isso para custear a incompetência ou a leniência do governo Biden para refrear as milhares de pessoas que chegam ilegalmente às fronteiras do país.
Como cidadão americano por nascimento, tenho muito orgulho do meu país, pela forma como ele recebe as pessoas, ainda que uma minoria preconceituosa faça cara feia para isso; os Estados Unidos sempre foram receptivos e acolheram imigrantes de todo o mundo, e admiro a forma como protegem aqueles que vêm para cá perseguidos e ameaçados em seus próprios países; contudo, não se pode banalizar tais processos, muito menos lançar sobre os ombros de outros a conta da “generosidade” do governo. Afinal, como diziam os mais velhos, é muito fácil fazer caridade com o chapéu alheio…
Sobre Mark Morais
Mark Morais é advogado de Imigração e proprietário da Mark Morais Law Firm, escritório americano responsável por processos jurídicos de vistos e green cards para os Estados Unidos.
Mark é o único advogado brasileiro-americano que já trabalhou nas 3 principais agências federais de imigração dos EUA (USCIS, CBP e ICE) desempenhando as funções de Promotor de Imigração, Oficial de Asilo Político e Policial Federal de Imigração e Alfândega.
Mark Morais é formado em Direito e Administração de Empresas no Brasil e é Doutor em Jurisprudência nos Estados Unidos. Ele é licenciado para praticar Direito no Estado da Flórida e também na Capital Federal (District of Columbia).