GUERRA CIVIL?

Mark Morais
A GUERRA CIVIL, OU GUERRA DA SECESSÃO, foi um capítulo trágico na história dos Estados Unidos, ocorrido dos anos de 1861 a 1865, entre a União e os Confederados. Incapazes de um consenso a respeito do fim da escravidão, estados separatistas do Sul rebelaram-se contra o governo federal, dando início ao conflito mais mortal da história americana: estima-se que mais de um milhão de pessoas tenham morrido durante os quatro anos do conflito, das quais cerca de 700.000 teriam sido soldados que tombaram no campo de batalha. Desde então, o país curou suas feridas, fortaleceu-se como nação e se consolidou como a democracia mais antiga do planeta. Democratas e Republicanos se alternam de maneira razoavelmente civilizada no poder federal, as leis, assim como a autonomia dos estados, são respeitadas por todos e a harmonia entre estados e União impera na maior parte do tempo. Contudo, o país tem assistido, apreensivo, o crescimento de uma tensa queda-de-braço entre o estado do Texas e o governo federal.
Insatisfeitos com a política do governo federal (sob a batuta do democrata Joe Biden) de (falta de) controle de imigração, estados fronteiriços governados por republicanos demandam a Suprema Corte almejando mais autonomia na proteção das fronteiras do país. Sem esperar a decisão, o governo do Texas ordenou que tropas estaduais impedissem a entrada de agentes da Patrulha da Fronteira, órgão federal, em um parque na cidade de Eagle Pass. O Parque Shelby fica às margens do Rio Grande, que separa o México dos EUA, e é ponto de passagem de imigrantes ilegais; para evitar a entrada deles (que vinha se intensificando nos últimos tempos), o governador Greg Abbott ordenou a construção de uma cerca de arame farpado, que impossibilita a travessia de ambos os lados; o governo de Biden é contra a cerca, considerada desumana. Depois que o governo estadual “assumiu o controle” do parque, várias detenções foram realizadas, e duas crianças e sua mãe morreram afogadas nas proximidades do local; autoridades estaduais e federais acusam-se mutuamente sobre a responsabilidade pelo ocorrido.
Depois disso, a Suprema Corte determinou que fosse permitida a entrada dos agentes federais e retirada a cerca; o governo do Texas acatou em parte a decisão, permitindo a entrada dos agentes, porém, mantendo tropas estaduais –e a cerca de arame farpado- no local, utilizando-se de recursos legais, pois se trata de decisão judicial temporária. 25 governadores republicanos emitiram uma nota conjunta em apoio ao seu congênere texano, afirmando que a administração de Joe Biden teria abdicado de seus deveres do pacto constitucional para com os estados, o que justificaria as ações legais para “proteger a soberania” dos estados e da nação.
De fato, a administração Biden resolveu jogar nas costas do congresso americano a culpa da crise na fronteira, sob o pretexto de ter enviado um projeto de lei sobre o tema, porém os parlamentares republicanos estariam dificultando a tramitação do mesmo. O problema, no entanto, é que, malandramente, os democratas enfiaram no projeto de lei – que deveria tratar unicamente da questão fronteiriça – várias outras demandas do partido, como, por exemplo, uma forma de conceder cidadania para milhões de imigrantes ilegais. Ou seja, o governo faz “um-toma-lá-dá-cá” com uma questão crucial como o controle de fronteiras e a proteção dos EUA para aprovar sua duvidosa pauta “progressista”. Ademais, na condição de Presidente, Biden possui total autonomia para fazer isso sem precisar do Congresso, pois a questão é de competência do Poder Executivo.
Até o momento, a disputa de forças entre estados e União continua. O estado do Texas amplia a construção da cerca de arame no Parque Shelby, mantendo a Patrulha da Fronteira – e os imigrantes ilegais – longe da área. Segundo autoridades federais, os agentes estariam prontos para cortar a “cerca da discórdia” caso seja “operacionalmente necessário”, ou para ajudar a “qualquer indivíduo em perigo”. O governador Abbott, por sua vez, acusa as ações do presidente Biden de “atrair os imigrantes ilegais para longe dos 28 pontos de entrada legais ao longo da fronteira sul (..) e para as águas perigosas do Rio Grande”.
A despeito das ideologias, o fato é que o fluxo de imigrantes ilegais aumentou assustadoramente na administração Biden, gerando sérios problemas estruturais e sociais para os estados americanos, especialmente os do Sul. Os números apontam que a entrada de imigrantes ilegais ultrapassou a quantidade de bebês nascidos nos EUA no mês de dezembro de 2023. Apesar do forte apoio de outros estados ao governo do Texas, a perspectiva de uma nova guerra civil nos EUA é bastante reduzida, praticamente nula; contudo, é lamentável que, mais uma vez, os americanos se vejam às voltas com disputas políticas entre as esferas de governo.
Se, quase duzentos anos atrás, o governo federal estava certo em defender o fim da escravidão, desta vez são os estados que têm razão ao defender suas fronteiras da entrada indiscriminada e massiva de imigrantes ilegais.
Sobre Mark Morais
Mark Morais é advogado de Imigração e proprietário da Mark Morais Law Firm, escritório americano responsável por processos jurídicos de vistos e green cards para os Estados Unidos.
Mark é o único advogado brasileiro-americano que já trabalhou nas 3 principais agências federais de imigração dos EUA (USCIS, CBP e ICE) desempenhando as funções de Promotor de Imigração, Oficial de Asilo Político e Policial Federal de Imigração e Alfândega.
Mark Morais é formado em Direito e Administração de Empresas no Brasil e é Doutor em Jurisprudência nos Estados Unidos. Ele é licenciado para praticar Direito no Estado da Flórida e também na Capital Federal (District of Columbia).
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