CUIDADO COM OS “SAMBARILOVE” DA VIDA

Mark Morais
A ESCOLINHA DO PROFESSOR RAIMUNDO era um programa humorístico liderado pelo genial e saudoso Chico Anysio, criador de personagens inesquecíveis como Bento Carneiro, o vampiro brasileiro; Coalhada, o jogador de Futebol; Nazareno; o mentiroso; Coronel Pantaleão; o ator canastrão Alberto Roberto, entre tantos outros. Na Escolinha, Raimundo, vivido pelo próprio Chico, era obrigado a lidar com os mais desajustados, espertos e malandros alunos, em troca de um salário insignificante. Dois destes estudantes se destacavam por sua lábia e capacidade de convencimento: os irmãos Rolando Lero, interpretado pelo também talentoso e saudoso Rogério Cardoso; e Armando Volta, vivido por David Pinheiro. Enquanto Rolando Lero tentava, sem sucesso, enrolar o professor com histórias mirabolantes, Armando Volta o subornava com presentes para conseguir a desejada nota 10.
Tenho pensado bastante na Escolinha de Chico Anysio, especificamente nestes dois personagens espertalhões; principalmente depois de terminar algumas consultas aqui no meu escritório de advocacia, Mark Morais Law Firm, de pessoas que tiveram problemas sérios com seus status imigratórios nos EUA após entregarem seus casos, suas vidas, nas mãos de pessoas não habilitadas à prática do Direito no país; e ainda mais depois de analisar as estatísticas do USCIS publicadas recentemente com os números do último trimestre do ano fiscal de 2023, incluindo a tabela de pedidos protocolados de vistos EB2-NIW (visto para profissionais qualificados com projetos de grande importância para os EUA). Ali podemos ver que os pedidos deste tipo de visto oriundos do Brasil somaram absurdos 1.849 apenas no último trimestre no ano fiscal de 2023 (fonte: https://www.uscis.gov/sites/default/files/document/data/i-140_fy23_q4.pdf), assumindo a dianteira mundial nesta modalidade de visto, ultrapassando a China, com 1.799 pedidos, e a Índia, com míseros 839. Com um detalhe: Índia, com 1.428 bilhão de habitantes, e China, com 1.425 bilhão, são os dois países mais populosos do mundo, e cada um deles abriga quase sete vezes mais pessoas do que o Brasil. A quantidade desproporcional de pedidos de visto EB2-NIW vindas do Brasil me leva a cogitar duas hipóteses:
Primeira hipótese: o presidente Lula estava certo e o Brasil está repleto de “Fenômenos”. Você deve se lembrar de quando o filho do petista, até então, um simples monitor em zoológico, tornou-se um empresário milionário da noite para o dia, coincidentemente, fazendo negócios com empresas que haviam sido beneficiadas por medidas tomadas pelo papai presidente. Diante da investigação policial sobre as transações comerciais inusitadas do pimpolho, a justificativa do papai Lula orgulhoso foi que seu filho seria uma espécie de Ronaldo Fenômeno, um craque nos negócios. Tantos pedidos de visto EB2-NIW seriam, então, resultado da imensa quantidade de brasileiros “fenomenais” em suas profissões. Apesar do brasileiro ser, de fato, um povo muito criativo e capaz, todos sabemos que “Fenômenos” não nascem todos os dias; para manter as coisas no campo futebolístico, o declínio da própria Seleção Brasileira é uma boa prova disso. O que nos leva à…
Segunda hipótese: Em seu anseio de migrar para os Estados Unidos legalmente, os brasileiros estão se deixando iludir pelos “Armando Volta” e “Rolando Lero” da vida, com os seus “sambariloves”, ou seja, sua conversa fiada e suas promessas de sucesso fácil. A quantidade de picaretas que brotam das terras férteis do Brasil deve ser um recorde mundial. Atualmente, uma brasileira (parece se tratar de uma “patricinha meio lelé”) está foragida dos Estados Unidos, procurada por ninguém menos que o FBI, acusada de se passar por advogada de imigração e aplicar golpes em seus clientes, causando-lhes um prejuízo de cerca de 700 mil dólares.
Estou propenso a acreditar que a segunda hipótese é a mais provável.
A cada dia surge em uma esquina uma nova empresa de consultoria sem a devida licença legal para o exercício da advocacia nos EUA, vendendo o peixe de um visto tão complexo quanto o EB2-NIW como se fosse algo corriqueiro, distribuído às baciadas pelo governo americano para qualquer cabeça-de-bagre que se acha um Romário da vida. A moda realmente se espalhou, e até escritórios de advocacia devidamente licenciados, que há pouco tempo criticavam duramente quem trabalha com foco no EB2-NIW (pois, segundo eles, este seria um visto que faz jus ao seu apelido, ou seja, é destinado aos poucos “Einsteins” que surgem eventualmente entre os mortais comuns), hoje propagam maciçamente em suas redes sociais, que, por exemplo, até um recém-formado, com apenas um mísero artigo publicado, sem citações por seus pares, teria boas chances de sucesso. “Não custa tentar”, dizem eles. O que é mentira. Custa, sim, e custa caro. Custa tempo e dinheiro, e o preço não é barato: envolve o pagamento das taxas do governo, dos honorários do advogado, além das obrigatórias traduções de documentos, avaliações de títulos acadêmicos etc.; e é preciso mencionar, é claro, o alto custo emocional: o stress, a incerteza. E pode custar ainda um histórico de imigração negativo.
Semanalmente, várias pessoas que ouviram o “canto da sereia” de pretensos consultores charlatães, ou mesmo de advogados, e receberam informações erradas ou deram entrada em pedidos de EB2-NIW com situações profissionais inconsistentes ou mesmo incompatíveis com o visto, pagam consultas comigo na Mark Morais Law Firm e recebem a desagradável notícia de que, possivelmente, sua estadia nos EUA já é ilegal, e até mesmo o seu eventual ajuste de status já está comprometido.
Os números absurdos de pedidos de EB2-NIW que apontamos acima mostram como os brasileiros estão vulneráveis quanto à atuação dos picaretas da imigração; parece que o povo brasileiro não resiste ao encanto de uma boa lábia, de um bom marketing, de um “sambarilove” bem aplicado. Basta ver os tipos que elegemos (e reelegemos!) para presidente nos últimos tempos…
Além de ser um engano de alto custo para o cliente que cai nesse conto do vigário, os pedidos infundados de EB2-NIW atrapalham a análise dos processos consistentes, onde o peticionário bem qualificado tem chances efetivas e reais de aprovação, pois abarrotam as prateleiras do USCIS, sobrecarregando o sistema, aumentando a fila de processos e irritando os oficiais que analisam os processos, gerando neles uma resistência natural e até mesmo inconsciente aos brasileiros, por serem obrigados a lidar com tantos processos de pessoas que se consideram “Einsteins”, os reis da cocada preta. E isso causa uma séria dificuldade adicional, uma vez que a análise do EB2-NIW carrega em si um alto grau de subjetividade, ou seja, é altamente dependente do, digamos, bom-humor do oficial responsável.
O EB2-NIW é, sim, um visto acessível aos brasileiros; existe no país muita gente excepcionalmente capaz em suas profissões, que se destacaria em qualquer lugar do mundo. A Mark Morais Law Firm se orgulha de ter obtido sucesso em inúmeros casos, e muitos de nossos clientes já vivem o sonho americano, legalmente instalados e trabalhando nos EUA. Entretanto, jamais iludimos quem quer que seja quanto às suas reais chances de obter este tão desejado documento, nem damos entrada em processos nos quais não tenhamos convicção da consistência do caso e das possibilidades efetivas de aprovação. Portanto, minha recomendação é que tenham cautela se desejam dar entrada em um pedido de EB2-NIW. Procurem profissionais qualificados e honestos, que avaliarão suas chances com sobriedade e técnica, sem falsas ilusões. O mercado está cheio de pessoas que prometem vitórias fáceis e a entrada no paraíso, mas que só estão de olho na sua carteira, sem se importar se estarão arruinando o sonho da sua família, e que subitamente ficarão incrivelmente ocupadas para te atender depois de terem embolsado o seu dinheiro.
O EB2-NIW é possível, sim, mas não é fácil, nem é para qualquer um. Portanto, muita cautela com os “sambariloves” do caminho, seus discursos enfeitados e suas promessas de facilidades.
É como eu sempre digo: “todo dia em algum lugar acordam um malandro e um otário; quando eles se encontram, dá negócio”.
Sobre Mark Morais
Mark Morais é advogado de Imigração e proprietário da Mark Morais Law Firm, escritório americano responsável por processos jurídicos de vistos e green cards para os Estados Unidos.
Mark é o único advogado brasileiro-americano que já trabalhou nas 3 principais agências federais de imigração dos EUA (USCIS, CBP e ICE) desempenhando as funções de Promotor de Imigração, Oficial de Asilo Político e Policial Federal de Imigração e Alfândega.
Mark Morais é formado em Direito e Administração de Empresas no Brasil e é Doutor em Jurisprudência nos Estados Unidos. Ele é licenciado para praticar Direito no Estado da Flórida e também na Capital Federal (District of Columbia).
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