No Velho Testamento, os crimes dos hebreus eram punidos de acordo com sua gravidade. “Olho por olho, dente por dente”, diz o livro de Levíticos, adotando o mesmo princípio retributivo do Código de Hamurabi, considerado o mais antigo registro de um texto jurídico já produzido pela Humanidade. Resumidamente, por este princípio, a punição de um criminoso deve ser semelhante ao dano causado na vítima, e, consequentemente, homicidas eram punidos com a morte; e o executor da sentença era o parente mais próximo da vítima, que recebe a dramática alcunha de “vingador de sangue”. Mas havia exceções a esta regra, quando a morte causada era acidental –o que, no direito brasileiro, é chamado homicídio culposo, ou seja, sem intenção. Nestes casos, o homicida não-intencional tinha a prerrogativa de fugir para as cidades de refúgio, onde teria seu caso julgado pelas autoridades e, constatando-se a sua inocência, estaria a salvo e protegido pelo resto da vida, desde que jamais deixasse a cidade de refúgio.
Os imigrantes ilegais contam com um tipo parecido de proteção nos Estados Unidos (não aqueles que cometeram crimes, bem entendido): são os chamados “estados-santuários” e “cidades-santuários” espalhados pelo país. Oito estados americanos são santuários declarados: Califórnia, Colorado, Illinois, Massachusetts, Nova Jérsei, Novo México, Oregon e Vermont; além deles, existem centenas de cidades-santuário, mesmo em estados considerados mais conservadores. Estes locais adotam políticas que protegem os imigrantes ilegais que ali residem. A Califórnia, por exemplo, aprovou em 2017 a lei que a define como estado santuário; segundo esta lei, nenhum órgão do governo pode “investigar, interrogar, deter, detectar ou prender alguém por motivos imigratórios”, a menos que o imigrante ilegal tenha cometido algum dos crimes elencados em uma lista de 800 infrações previamente determinadas. Leis como esta, além de impedirem que as autoridades realizem deportações, facilitam a obtenção de empregos formais pelo imigrante ilegal.
Como não poderia deixar de ser, o tema divide as opiniões e paixões dos americanos. De um lado, defensores dos chamados “direitos humanos”; do outro, patriotas preocupados com o aumento de impostos e a deterioração do american way of life, decorrente da entrada em massa de imigrantes ilegais, sobrecarregando os serviços sociais e saturando o mercado de trabalho, além, é claro, da entrada sorrateira de perigosos criminosos no país. Deputados do estado do Arkansas aprovaram uma lei que proíbe as cidades-santuário de omitir informações sobre imigrantes ilegais às autoridades do Departamento de Imigração. Mesmo que o estado não possua nenhuma cidade-santuário!
Na Flórida, estado que abriga quase 700 mil imigrantes, proposta semelhante foi aprovada, seguindo os exemplos de estados como Texas, Iowa e Tennessee.
Na Califórnia, protestos contrários à política protecionista vêm ocorrendo, e pipocam denúncias de que autoridades de várias cidades do estado estavam enviando informações sigilosas aos agentes do Departamento de Imigração, violando as leis estaduais. Dados do departamento de trânsito estariam sendo utilizados para rastrear imigrantes ilegais, mesmo que eles não tivessem cometido nenhum crime.
Na Pensilvânia, o condado de Butler, na região metropolitana de Pittsburgh, anunciou recentemente que encerrou sua designação como “condado-santuário”, reconhecendo os pedidos de custódia do Immigration ann Customs Enforcement (ICE) e dispondo-se a fornecer ao órgão semanalmente uma lista dos dados dos prisioneiros da cidade, além de permitir o acesso dos seus agentes às instalações e aos presos. Para a deputada republicada Stephenie Scialabba, líder do movimento pela mudança, “o nome de santuário não refletia nossas intenções ou práticas. Somos um condado de segurança, lei e ordem.” Segundo o comissário do condado, Kim Geyer, a designação de santuário teria causado “muita dor de cabeça e angústia” aos moradores.
Entrar pela porta da frente, com a documentação adequada, deveria ser a única opção para os imigrantes nos Estados Unidos; porém, a realidade se mostra bem diferente. Entendo que o desespero leve muita gente a tentar fugir de seus países em busca de uma vida melhor, para si e para sua família; entendo também que muitos americanos se compadeçam destas pessoas que migram ilegalmente e desejem dar-lhes a oportunidade de construir uma nova vida na América, constituindo cidades e estados santuário onde estejam protegidos; contudo, os impactos sociais e financeiros destes benefícios se refletem na qualidade de vida e também na segurança dos americanos. Nos protestos na Califórnia, uma das reclamações era que o estado, na condição de santuário, estaria abrigando criminosos da MS13, temível gangue de traficantes nascida nos subúrbios de Los Angeles nos anos 1980 e formada principalmente por salvadorenhos, e se espalhou pelo país, famosa por cometer assassinatos bárbaros, geralmente utilizando facões e tacos de beisebol.
De acordo com o Migration Policy Institute, 44,5 milhões de imigrantes vivem atualmente nos EUA, dos quais 11,3 milhões são ilegais.
Sobre Mark Morais
Mark Morais é advogado de Imigração e proprietário da Mark Morais Law Firm, escritório americano responsável por processos jurídicos de vistos e green cards para os Estados Unidos.
Mark é o único advogado brasileiro-americano que já trabalhou nas 3 principais agências federais de imigração dos EUA (USCIS, CBP e ICE) desempenhando as funções de Promotor de Imigração, Oficial de Asilo Político e Policial Federal de Imigração e Alfândega.
Mark Morais é formado em Direito e Administração de Empresas no Brasil e é Doutor em Jurisprudência nos Estados Unidos. Ele é licenciado para praticar Direito no Estado da Flórida e também na Capital Federal (District of Columbia).